terça-feira, 28 de setembro de 2010

Data para o contribuinte não modifica nada

Por Raul Haidar*

O Diário Oficial da União de 16 de setembro de 2010 publicou a Lei 12.325, de 15 de setembro de 2010, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, que vetou o seu artigo 3º, ficando ela apenas com 2 artigos, a saber:

Artigo 1º - Fica instituido o Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte, data de conscientização cívica a ser celebrada anualmente no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte.

Artigo 2º - Os orgãos públicos responsáveis pela fiscalização e pela arrecadação de tributos e contribuições promoverão, em todas as cidades onde possuirem sede, campanhas de conscierntização e esclarecimento sobre os direitos e os deveres dos contribuintes.


A lei surgiu de um projeto (PL 819/07) que tramitou durante cerca de 3 anos no Congresso, cujo autor foi o deputado Sandro Mabel, do PR de Goiás. A data de 25 de maio, segundo o deputado, teria sido escolhida porque o brasileiro trabalha 175 dias do ano só para pagar impostos, ou seja, o dia 25 de maio seria uma data emblemática.

Essa informação de quantidade de dias que trabalhamos para pagar impostos bem como o tal “impostômetro” localizado no centro de São Paulo, onde alegadamente se registra a velocidade com que os tributos são pagos, são divulgados por uma entidade privada, uma ONG. Não conhecemos os métodos dessa apuração e nem mesmo se tais dados são exatos ou aproximados, mas acreditamos na seriedade das pessoas que os fornecem.

Independente das boas intenções do deputado e mesmo dos princípios cívicos da entidade citada, todos sabemos que apenas a existência de uma data comemorativa, mesmo que nela sejam feitas as manifestações a que o deputado se refere em noticiário divulgado pela Agência Câmara, não altera coisa alguma na vida do contribuinte.

Aliás, só neste ano o Congresso aprovou mais de 10 leis instituindo datas comemorativas homenageando profissões, atividades ou entidades, desde o Dia Nacional da Baiana do Acarajé até o Dia Nacional dos Clubes Esportivos Sociais. Todo esse esforço cívico certamente não será suficiente para salvar do fechamento um tradicional clube paulistano, o Tietê, e menos ainda para salvar este articulista de complicações intestinais caso se atreva a encarar novamente um delicioso acarajé com que se deliciou certo dia em Salvador...

Ora, se o deputado que fez o projeto, o Congresso que o aprovou e o Presidente que sancionou a lei desejam mesmo viabilizar o respeito que o contribuinte merece (afinal é dos impostos que sai o salário deles) , não precisam fazer manifestações nem mobilizar a sociedade. Basta que se mobilizem a si mesmos, lançando mão dos instrumentos que possuem, como a caneta, por exemplo. Vamos elencar algumas coisas muito simples de fazer e que já seriam eficientes mostras de respeito ao contribuinte:

Corrigir a tabela do Imposto de Renda

Basta que o Presidente ordene ao Ministro da Fazenda a elaboração de uma Portaria, alterando a tabela de retenção do imposto de renda na fonte, hoje defasada em mais de 60%. — O atual limite de isenção sobre o salário é de cerca de R$ 1.500,00. Tal valor está totalmente defasado e já há no pais todos processos exigindo a atualilzação. Um deles já está no Supremo Tribunal Federal (RE 388.312) em face de ação proposta pelo Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte.

Desde 92 a Tabela não sofre as correções devidas, recebendo apenas alguns ajustes. Para que tenhamos uma tabela justa, segundo dados elaborados pelo Sindicato que congrega Auditores Fiscais Federais, a tabela deveria ser corrigida em mais de 60%, ou seja, o limite se isenção deveria ser no mínimo de R$ 2.500.

Ajustando-se a tabela de retenção, por certo haverá uma enorme diminuição nos casos de restituição do imposto. Como se sabe, só há restituição quando alguém paga a maior. Reduzindo-se as restituições, diminuem o trabalho da repartição, as despesas operacionais do fisco e os prejuizos para os contribuintes. Todos saem ganhando.

Essa alteração se faz por mera portaria do Ministro, sem precisar qualquer comemoração.

Correção integral do patrimônio

As pessoas fisicas que resolvam vender imóveis ou outros bens de seu patrimonio, podem ficar sujeitas ao imposto sobre ganho de capital. Embora a legislação já admita os chamados “fatores de redução” em determinados casos, ainda assim ocorrem muitas incidências indevidas, pois a legislação fiscal não admite uma correção monetária integral, pelos mesmos indices do INPC.

Alterando-se um unico artigo do Regumento do Imposto de Renda, que é um decreto, basta uma “canetada” do Presidente para que tal injustiça seja corrigida. A inflação existe. E se ela existe, todo e qualquer bem da pessoas fisicas (e da juridica também) deve ser integralmente corrigido. Qualquer um (mesmo não sendo economista, professor e ministro) sabe que correção monetária serve apenas para atualizar o valor do bem, não para integrar-lhe algum valor.

Atualização do valor dos abatimentos

Os abatimentos a título de dependentes e educação estão totalmente fora da realidade. Imagina a lei em vigor que se possa manter um dependente com cerca de R$ 150 por mes e que escola custa mensalmente cerca de R$ 200! No caso de despesas com educação, proibe-se o abatimento de cursos de idioma e informatica, materias essenciais atualmente. Todas essas questões resolvem-se com simples decreto presidencial. Não precisa consultar o Congresso, nem ficar discutindo o assunto por mais de 3 anos...Basta dar uma ordem ao Ministro, que é subordinado ao Presidente, mesmo sendo este torneiro mecânico e aquele economista e professor.

Tributos sobre medicamentos

Muito ainda se discute com relação à incidencia do IPI sobre medicamentos. Esse imposto é suportado pelo consumidor, fazendo parte do custo. A legislação prevê que o IPI pode ter suas aliquotas alteradas por simples ato do Ministro da Fazenda. Portanto, não precisa de projeto de lei...

Não permitir autuações absurdas

Respeito ao contribuinte também se faz com uma legislação estável, com atendimento eficiente, com fiscalização que observe as normas que já estão em vigor. Respeitar o contribuinte é impedir que fiscais façam autuações absurdas, flagrantemente ilegais.

Já comentamos, aqui na ConJur, casos de autuações absurdamente injustas e totalmente ilegais. Há o caso do empregado que sofreu retenções na fonte, o seu patrão (uma grande empresa) não recolheu o que foi retido e o empregado sofreu autuação, contrariando norma expressa do próprio Ministério da Fazenda.

Um outro contribuinte que está fazendo tratamento psiquiátrico de longa duração, teve glosados os abatimentos com as despesas médicas porque o fisco queria saber que tipo de doença o contribuinte tem, queria ter cópias dos relatórios, dos diagnósticos, etc., em evidente conflito com a norma constitucional que assegura a privacidade. Um porta voz da Receita disse à imprensa que essa exigência se faz porque há muitos casos de recibos falsos. Ora, se a autoridade imagina que os recibos são falsos, que adote as providencias legais. Não as adotando, a autoridade comete outro crime: o de denunciação caluniosa.

Corregedoria precisa corrigir

Também seria uma prova de grande respeito ao contribuinte se as corregedorias do serviço público funcionassem com mais eficiência e transparência. Quando acontecer de um funcionário público ostentar padrão de vida incompatível com seu salário, deve-se verificar se existe algo errado. Se houver, a punição deve ser rigorosa e deve se tornar pública, até para servir de exemplo a todos e satisfação aos contribuintes.

Resumo da ópera: o Congresso ao aprovar essa lei não garante nada. Parece ser mais um factóide a ser usado por alguém em festanças inúteis, de preferência pagas com dinheiro do contribuinte. Deveriam o deputado e todo o Congresso ter trabalhado na reforma tributária, na redução da carga, na simplificação do sistema, etc. Mas trabalhar dá trabalho...

Creio que a lei da baiana do acarajé seja mais importante...

* Raul Haidar é advogado tributarista e jornalista.

Fonte: Conjur

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