terça-feira, 28 de setembro de 2010

Turma aplica teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica para garantir pagamento do crédito trabalhista - Leia a íntegra da decisão

Dando razão ao trabalhador, a 2ª Turma do TRT-MG determinou a expedição de ofício à Vale S.A., para que essa empresa realize o bloqueio de possíveis créditos, vencidos e que estão por vencer, de uma construtora que lhe prestou serviços (Construtora Amarq Ltda.). Isso porque os julgadores constataram que o sócio da reclamada (Construtora Itacolomi Ltda.), já em estado de insolvência, ou seja, sem condições de pagar o que deve, ingressou na Construtora Amarq, incorporando o seu patrimônio nela, com o objetivo de escondê-lo.

O juiz de 1º Grau indeferiu o pedido de bloqueio de créditos da construtora Amarq., sob o fundamento de que esta não compõe o polo passivo da reclamação trabalhista. Mas, conforme esclareceu o desembargador Luiz Ronan Neves Koury, o trabalhador vem tentando, sem êxito, encontrar meios para o prosseguimento da execução de seu crédito, como expedição de ofícios ao DETRAN, à Receita Federal, ao BACENJUD e a várias empresas, para as quais a reclamada prestou serviços.

No entanto, observou o relator, o pedido de bloqueio de créditos da Amarq junto à Vale, tomadora de seus serviços, foi feito com base na última alteração contratual da empresa, que demonstra que o sócio da executada foi admitido como sócio da Amarq, em 03.09.2009. Aliás, a Itacolomi, empregadora do reclamante, também tem como objeto social a construção civil. Por isso, o magistrado entendeu aplicável ao caso a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica da construtora Amarq, na qual o sócio reclamado ingressou e incorporou o seu patrimônio, porque esse procedimento prejudicou o trabalhador. Essa empresa, então, deverá responder pela obrigação do novo sócio.

“Trata-se, portanto, de técnica que visa impedir que o devedor utilize o ente jurídico para, por meio da confusão patrimonial, burlar a lei, escondendo seu patrimônio” - concluiu o desembargador, ressaltando que o Superior Tribunal de Justiça já vem decidindo assim, quando há fraude ou abuso de direito, podendo ser levantado o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa. No caso, o bloqueio de eventuais créditos da construtora deverá observar o limite de participação do sócio na empresa.

(AP nº 00642-2006-102-03-00-7)

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO
Acórdão
Processo : 00642-2006-102-03-00-7 AP
Data de Publicação : 10/09/2010
Órgão Julgador : Segunda Turma
Juiz Relator : Des. Luiz Ronan Neves Koury
Juiz Revisor : Des. Jales Valadao Cardoso

Firmado por assinatura digital em 03/09/2010 por LUIZ RONAN NEVES KOURY (Lei 11.419/2006).

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - 3ª REGIÃO
TRT/00642-2006-102-03-00-7-AP

AGRAVANTE: JOSÉ GERALDO DOS SANTOS
AGRAVADOS: 1- CONSTRUTORA ITACOLOMI LTDA.
2- VICENTE MIRANDA
3- MARCOS ANTÔNIO MIRANDA

EMENTA: EXECUÇÃO. SÓCIO INSOLVENTE QUE INTEGRA SEU PATRIMÔNIO AO DE OUTRA EMPRESA. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA. Aplica-se ao caso a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa, por se tratar de hipótese de sócio que se tornou insolvente e incorporou seu patrimônio a outra sociedade empresária, prejudicando o credor, caso em que se deve adentrar ao patrimônio da empresa a fim de que esta responda pela obrigação do sócio. Trata-se de técnica que visa a impedir que o devedor utilize o ente jurídico para, por meio da confusão patrimonial, burlar a lei, escondendo seu patrimônio.

Vistos, relatados e discutidos,

DECIDE-SE

RELATÓRIO

JOSÉ GERALDO DOS SANTOS insurge-se, à f. 474, contra a r. decisão de f. 408, que indeferiu o pedido de bloqueio de créditos vencidos e vincendos da Construtora Amarq Ltda. junto à tomadora dos seus serviços, Vale S.A. (f. 409).

Transcorrido, in albis, o prazo para apresentação de contraminuta, consoante certificado à f. 478.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, por força do art. 82 do Regimento Interno deste Regional.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Conheço do Agravo de Petição, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

MÉRITO

O MM. Juiz de origem, por meio da r. decisão de f. 408, indeferiu o pedido aduzido pelo Exequente à f. 409, relativamente ao bloqueio de créditos vencidos e vincendos da Construtora Amarq Ltda. junto à tomadora dos seus serviços, Vale S.A., sob o fundamento de que esta empresa "não compõe o polo passivo do presente feito" (f. 408), o que foi mantido na decisão que julgou os Embargos de Declaração (f. 466/467).

O Exequente inconformado apresentou o Agravo de Petição de f. 474, alegando ter postulado o referido bloqueio vez que o Sr. Marcos Antônio Mirada é sócio proprietário da Executada (Construtora Itacolomi Ltda.) e também da Construtora Amarq Ltda., que presta serviços à Vale S.A., conforme documentos anexados aos autos. Destaca que foi requerida a despersonalização da pessoa jurídica e que, por isso, o referido sócio faz parte do polo passivo da demanda.

Inicialmente, para melhor compreensão da matéria, cumpre seja renovada, aqui, a breve exposição dos fatos ocorridos neste processado, consoante já explicitado no decisum de f. 380/383, da lavra deste Relator.

A acurada análise dos autos revela que, frustradas as tentativas de indicação de meios para prosseguimento da execução, através dos requerimentos de citação da Reclamada no endereço de f. 224 (f. 227) e expedição de ofício ao Detran para informação acerca da existência ou não de veículos automotores em nome da Ré e de seus sócios e de transferências porventura ocorridas após a propositura da ação (f. 254, 287, 293 e 294), o Juiz deferiu ao Exequente o prazo de 05 para indicar outros meios para prosseguimento da execução, pena de arquivamento provisório (f. 300).

À f. 302, o Exequente insistiu no pedido de ser informado sobre as possíveis transferências ocorridas após a data da propositura da ação, tendo o Juízo esclarecido que o requerido só seria possível mediante a apresentação dos dados do veículo (f. 303).

Ante a reiteração do pedido anterior (f. 305), o Juiz novamente concedeu prazo para apresentação de meios para cumprimento da obrigação, sob pena de arquivamento provisório dos autos (f. 306).

Em 15/02/2008, pugnou o Exequente pela expedição de ofício à Receita Federal, à Companhia Siderúrgica de Vitória e à Companhia Siderúrgica Tubarão (f. 308), o que foi deferido à f. 309.

Infrutíferas as tentativas, o Credor foi novamente notificado para fornecer meios para o prosseguimento da execução, pena de arquivamento provisório dos autos (f. 334/334-v.).

O Exequente formulou, então, novo pedido de expedição de ofício, agora dirigido à Arcellor Mittal Tubarão, para exibição do contrato de prestação de serviços existente com a Executada, bem como para a efetivação de bloqueio de créditos presentes e futuros (f. 336).

Com base no documento de f. 328, que informou que a Executada não possui crédito junto à Companhia, nem previsão de liberação de qualquer valor, o pedido de bloqueio de créditos foi indeferido pelo Juízo (f. 339).

O Exequente agravou desta decisão e a Segunda Turma deste Tribunal, através do acórdão de f. 343/345, negou provimento ao recurso, sob o fundamento de que a manutenção do indeferimento do pedido "encontra respaldo no ordenamento jurídico, porque o processo, em verdade, tem por objeto imediato a prestação jurisdicional, bem como a máxima efetividade com o mínimo de dispêndio (princípio da economia processual), o que só se alcança com o indeferimento de diligências inservíveis a sua finalidade mediata, qual seja, o bem da vida vindicado" (f. 344). Acrescentou que, na hipótese de deferimento do pedido do Exequente, o processo prosseguirá ad infinitum, sem a satisfação da pretensão, já que restou comprovado que não existe nenhum saldo favorável à Executada, decorrente do contrato, sendo inócua a determinação de penhora sobre valores que muito provavelmente nem sequer virão a existir, além de a parte não ter comprovado a existência do alegado contrato (f. 344).

Novamente, foi concedido prazo ao Autor, pena de arquivamento provisório dos autos (f. 347).

Nessa oportunidade, foi requerida a expedição de ofício ao BACENJUD em relação à Executada e aos seus sócios (f. 349).

A execução, até 30/11/2008, contemplava o montante de R$ 61.679,30 (f. 351), sendo certo que foram bloqueados os valores de R$ 312,00, R$ 98,08 e R$ 22,60 (f. 355/356).

A Exequente, então, informou que a Executada, em novembro de 2008, estava prestando serviços para a Companhia Siderúrgica de Tubarão, de modo que requereu o bloqueio dos créditos presentes e futuros da Ré junto a esta empresa (f. 360). Porém, em face das respostas de f. 317 e 328, fornecidas pela Companhia Siderúrgica Tubarão, o pedido foi indeferido, tendo sido reaberto o prazo para indicação de meios efetivos para o prosseguimento da execução (f. 366).

Inconformado, o Exequente agravou, novamente, da decisão (f. 376). Nessa ocasião, tendo em vista a informação de que, em novembro de 2008, a Executada estaria prestando serviços para a Companhia Siderúrgica Tubarão (f. 360) e considerando que as respostas de f. 317 e 328 datam de março e abril de 2008, respectivamente, este Eg. Regional entendeu que o indeferimento do pedido caracterizaria cerceio de defesa, razão pela qual esta d. Turma determinou "a expedição de ofício à Companhia Siderúrgica de Tubarão, conforme requerido à fl. 360" (f. 383).

Contudo, também desta vez, a ArcelorMittal Brasil S.A. (nova denominação da Companhia Siderúrgica de Tubarão) informou que a empresa Construtora Itacolomi Ltda. não possuía créditos vencidos ou vincendos a receber (f. 390).

Efetuada nova tentativa de bloqueio via Bacen Jud, em vão (f. 398).

Posteriormente, decorrido o prazo de 30 dias sem que o Exequente indicasse os meios para o prosseguimento da execução, foram os autos remetidos ao arquivo provisório, em 21/10/2009.

Em 04/02/2010, o Exequente aviou a petição de f. 409, por meio da qual requereu o bloqueio de créditos vencidos e vincendos da Construtora Amarq Ltda. junto à Vale S.A., o que foi indeferido pela decisão de f. 408, ao argumento de que aquela empresa (Armaq) "não compõe o polo passivo do presente feito" (f. 408), o que foi mantido pela decisão que julgou os Embargos de Declaração (f. 466/467).

Todavia, o documento de f. 412/417 (alteração contratual) revela que o Sr. Marcos Antônio Miranda, sócio da Executada (f. 34 e sgs), foi também admitido como sócio da Construtora Amarq Ltda em 03/09/2009, a qual celebrou contrato de prestação de serviços com a Vale S.A. (f. 428/437).

Veja-se, aliás, que o objeto social da Executada e da Construtora Amarq consiste, essencialmente, na construção civil (f. 36 e 413).

Aplica-se ao caso a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica da "Amarq", por se tratar de hipótese de sócio que se tornou insolvente e incorporou seu patrimônio a outra sociedade empresária, prejudicando o credor, caso em que se deve adentrar ao patrimônio da empresa a fim de que esta responda pela obrigação do sócio. Trata-se, portanto, de técnica que visa impedir que o devedor utilize o ente jurídico para, por meio da confusão patrimonial, burlar a lei, escondendo seu patrimônio.

A respeito da matéria, assim já decidiu o C. STJ:

"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO E TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE. (...) III - A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV - Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. V - A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, "levantar o véu" da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa. VI - À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular. VII - Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser mantida por seus próprios fundamentos. Recurso especial não provido" (REsp. Nº 948.117 - MS 2007/0045262-5, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento: 22/06/2010).

Dou provimento ao Agravo de Petição para determinar a expedição de ofício à Vale S.A. a fim de que esta proceda ao bloqueio de eventuais créditos vencidos e vincendos da Construtora Amarq Ltda., até o montante do débito, conforme requerido à f. 474, observando-se o limite de participação do sócio na referida empresa.

CONCLUSÃO

Conheço do Agravo de Petição interposto pelo Exeqüente e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para determinar a expedição de ofício à Vale S.A. a fim de que esta proceda ao bloqueio de eventuais créditos vencidos e vincendos da Construtora Amarq Ltda., até o montante do débito, conforme requerido à f. 474, observando-se o limite de participação do sócio na referida empresa.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, por sua Segunda Turma, unanimemente, conheceu do agravo de petição interposto pelo exequente; sem divergência, deu-lhe provimento para determinar a expedição de ofício à Vale S.A. a fim de que esta proceda ao bloqueio de eventuais créditos vencidos e vincendos da Construtora Amarq Ltda., até o montante do débito, conforme requerido à f. 474, observando-se o limite de participação do sócio na referida empresa.

Belo Horizonte, 31 de agosto de 2010.

LUIZ RONAN NEVES KOURY
Desembargador Relator

Fonte: Revista Jurídica Netlegis, 28 de Setembro de 2010

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